terça-feira, 21 de julho de 2009

Motivos, razões e outro tanto...

Enquanto a senhora, já muito batida com os efeitos do tempo limpava os restos do cérebro de sua filha no chão do quarto, tentava imaginar o porquê que a menina se suicidara.
Lembrou da gestação tranquila, do amor depositado naquele feto, de todas as fraldas e roupas felizes. Quando cresceu, apesar do amor dos pais, ela sempre fora quieta, fria e até mesmo melancólica. Ambos progenitores não conseguiam entender a infelicidade daquela ingrata. Cresceu, foi à escola, aprendia tudo, estudava. Frequentou psicólogas e nada. O primeiro susto aconteceu quando ela tinha apenas 8 anos: tentou enforcar-se com a corda que brincava. O pai, apavorado, jamais vira algo assim.
" Aquela menina tem o diabo no corpo" " Soube que ela tentou matar os pais" " Soube que ela foi estuprada" Mas vc sabe, vizinha, que essa guria só nasceu assim porque os pais fizeram bruxaria!?"
Os vizinhos não ajudaram na imagem da menina no bairro e no colégio, e sem tardar foi taxada de " maluca", " satânica", " doidinha" e assim por diante.Os pais mudaram-se daquele bairro e foram para outro lugar. Ela sempre indiferente.
A menina amava seus pais, sim, e muito. O problema é que ela não conseguia demonstrar isso na linguagem comum, a que estamos acostumados a ouvir.Adolescente, bonita, alta, esbelta, longos cabelos cacheados, como uma boneca. Uma boneca cheia de machucados nos pulsos, com profundas olheiras- já que dormia menos que o normal adolescente, doente - pois ela comia menos que o normal adolescente. Os pais relutaram, a menina relutou, mas teve que tomar remédios para dormir e para abrir o apetite.
-Ninguém gosta de remédios, eles só pioram as coisas...- disse a mãe.
- Eu não me importo.- dizia a filha.
Cresceu, adulta. Trabalhava em uma loja, no estoque, no meio das caixas, no escuro. Os pais queriam que ela tivesse vida social, que namorasse, que brincasse e que sorrisse. Mas ela estava cada vez mais morta. Saiu com um rapaz simpático, bonito e que realmente gostava daquele jeito reservado da mocinha. Foram ao cinema, comeram pizza e ela falava apenas o essencial e dava sorrisos amarelos. Ele a beijou e ela não abriu a boca. Ele desistiu. Continuava com sua vida que desgastava a de todos ao redor. Ainda amava os pais e os demais, mas não queria falar.
Sentiu muito frio naquela noite. Levantou-se, apanhou o revolver que comprou utilizando seu salário, sentou-se na cama. Escreveu uma carta de desculpas aos tão dedicados pais, penteou o cabelo e, depois de anos, sorriu, gargalhou, chorou de tanto rir.
Os pais, emocionados, ouvindo as gargalhadas, correram ao quarto branco da jovem, guiados pela leve risadinha. Quando abriram a porta, a menina estourou seus miolos. O sangue , muito vermelho, sujou as paredes brancas. O pai, desesperado, correu de encontro a filha, a abraçou, beijou, chorou:
- Onde erramos?? Ela teve muito amor sempre, e nos amava! Porquê?????
O sangue empapou o pijama azul de barquinhos que ele vestia. os pedaços de seu crânio, cuidadosamente gerado por eles, se desfez como gelatina ao sol. A mãe estava paralisada. Caminhou à cozinha, roboticamente, telefonou à polícia, foi pegou um balde, água , pano e começou a limpar a sujeira. Ela não conseguia pensar, nem falar. O pai, desesperado, colocou a pálida carcaça sobre a cama, e rezou , acendeu velas, beijava freneticamente a mão delicada da menina.
A mãe, limpava os restos da cabeça da filha que ainda estavam no chão.

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